segunda-feira, janeiro 16, 2006

Uma carta de amor por Rubem

Num certo momento da conversa, Rubem Braga olhou para mim e disse: “Você sabe escrever uma carta de amor?” Hesitei um pouco. Eu nem sou escritor! Pensei em silêncio e respondi: “Olha, já escrevi algumas, mas não sei bem se realmente sei escrever uma boa carta de amor…”

Eu o tinha encontrado por acaso em Ipanema. Foi em 1987. Talvez 1988.

De certa forma foi engraçado. Ele já era uma pessoa de idade. A conversa foi breve. Começou quando eu me apresentei, dizendo que gostava muito de suas crônicas, etc. Mas, como disse, meio assim de repente, ele olhou para a minha acompanhante e veio com essa pergunta da carta de amor para mim. Foi algo inesperado.“Já escrevi algumas cartas de amor nestes muitos anos, mas também não sei dizer ao certo se ficaram boas. Por sorte, acho, algumas serviram bem ao seu propósito. É como uma poema, uma canção para a sua mulher. Você sabe fazer isso?”

Aí, diante daquela minha resposta tola, Rubem iniciou sua lição.

“Como você acha que deve ser uma carta de amor?”

Eu não soube o que responder. Mas ele continuou com aquela história.

“Então faça agora uma carta de amor. Faça agora uma declaração de amor para esta moça.”

Assim, sem nenhuma preparação, do nada?, pensei. Acho que ele viu que eu não estava muito à vontade naquela situação.

“Fazemos assim”, disse ele. “Eu faço uma carta, na verdade uma declaração. E você faz outra.
Algo simples, pequeno. Como um bilhete.”

Foi estranho ouvir aquele senhor idoso começar a declamar. Ele passou a falar de uma forma como se já tivesse decorado as palavras, escolhido as frases, apenas com algumas pequenas pausas entre as sentenças.

“Rio de Janeiro, ?? de setembro de 198?.Sabe que hoje amanheci com você? Tudo bem que esteja distante, mas aconteceu. Um cheiro e amanheci com você. Engraçado, não é? Deitei-me ontem, já tarde, com muitas coisas na cabeça e acordei com você. E, desde manhã, penso em você. Uma sensação boa esta, te ter desde manhã, sem te ter. Parece me dividir em muitas partes. Mas se explodisse em mil Rubens, mesmo assim cada um continuaria a dizer: ‘Eu te amo.’Beijos,Rubem.”

Sorri, naturalmente. E disse-lhe que jamais poderia fazer uma carta, ou declaração, como aquela. Pedi-lhe desculpas. Ele então sorriu. Logo depois partiu. E minha acompanhante ganhou o dia.