domingo, fevereiro 26, 2006

Mr. Porter

“Ev’ry time we say goodbye, I die a little” é um dos mais genialmente tristes versos que conheço. Lembro de, garoto, acompanhar meu pai ouvindo a canção na voz de Sarah Vaughn. Como aquilo parecia triste! Depois, mais tarde, ouvi com Ella Fitzgerald, mais suave, mas não menos bela.

Outros versos belos e, talvez, mais conhecidos: “Night and day, you are the one/Only you beneath the moon or under the sun/ Whether near to me, or far/ It’s no matter darling where you are/I think of you/Day and night”. Desses todos devem se lembrar com o Frank. São mesmo poeticamente obsessivos, não?

Tudo isso porque acabei de assitir a De-Lovely, filme que mostra a biografia do autor dos versos. Não sou muito próximo dos musicais, um já clássico gênero norte-americano, mas quis conhecer um pouco da vida de Cole Porter, algo como o Jobim norte-americano. (É preciso destacar aqui que eles ainda tiveram outros Jobins, como os irmaõs Gershwin).

Não é mal o filme. Só é meio óbvia a escolha de narrar a vida de Porter como um de seus musicais. Mas tudo é tão bem feito! Os detalhes, o figurino, a direção de arte… E como está bem o Kevin Kline como Mr. Porter!

E, ainda, as canções, as canções… Algumas delas Kline ou Ashley Jude cantam — e bem —, mas o divertido mesmo é topar com um rosto conhecido: Alanis Morissette em Let’s Do It; um engraçado Elvis Costello em Let’s Misbehave; Every Time We Say Goodbye com Natalie Cole; Sheryl Crow, Beguin The Beguine; Robbie Wiliams, It’s De-Lovely; e a bela Diana Krall em Just One Of Those Things.

Bem, para quem não conhece muito da música norte-americana da época de seus pais ou avós — eu incluso —, comece por Porter. O problema será que tudo o que vier depois pode parecer pequeno demais. É como nascer ouvindo Jobim.

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Saudades de Deus

Vi uma frase da Clarice Lispector aqui no blog Os Gargantas de Fogo, na seção Bem Dito, que me lembrou de uma cena inusitada que presenciei há muitos, muitos anos: “Estou com tanta saudade de Deus.”

Estudei boa parte da minha infância no Sacré-Coeur de Marie, um colégio dirigido por freiras na Rua Toneleros, em Copacabana. As freiras eram bem rígidas, acho que até demais. Não tenho lá boas recordações delas. Lembro-me de broncas, caras enfezadas, alguns puxões pelo braço — eu sei, eu não era bem um santinho.A cena aconteceu justamente com uma dessas freiras. Por respeito, vou emitir seu nome, mesmo ela não estando mais entre nós. Podemos chamá-la de Maria.

Irmã Maria era uma das mais rígidas freiras do colégio. Era carrancuda mesmo. Só me lembro dela distribuindo broncas por todos os lados. E nunca, nunca, nunca mesmo, eu a vi sorrir. Acontece que irmã Maria já estava bem, bem velhinha. E começou a ficar gagá. Já não lembrava das coisas, dos nomes das pessoas, etc. Às vezes, nós a víamos pelos corredores andando sozinha, como que perdida — na verdade, acho que ela realmente estava.

Esses, digamos, passeios tornaram-se freqüentes. E, em muitos deles, ela estava choramingando — no sentido de “chorar baixinho, sem lágrimas”. Era superestranho. Acho que ela escapava de seus aposentos, sem que as freiras que cuidavam dela percebessem, e ia caminhando e choramingando pelos corredores.

Certa vez, uma aluna, já uma pré-adolescente pelo que me lembro, foi até ela e perguntou por que ela chorava.

“Saudades de Deus”, respondeu. Essa tornou-se sua resposta padrão. “Saudades de Deus”, repetia sempre.

Não quero parecer maldoso, mas sempre achei que aquela freira estava bem longe de Deus mesmo.

terça-feira, fevereiro 07, 2006

Eu, o careta, e o Superblow

Confesso que não entendo os estadunidenses (tá no Aurélio! tá bom, vou chamá-los de norte-americanos).

Estava assistindo a alguns clipes de rap na TV. Eles pegaram a minha atenção porque tinham legendas. Ou seja, pude entender o que os caras falavam, coisa impossível por conta do meu inglês e de um monte de gírias. Sabe o que diziam?

Um falava algo do tipo: “Vem cá, garota, te ponho de quatro, você vai gostar” — e o cara ia mostrando com as mãos e os quadris o que faria. Em outro, uma garota ficava dizendo: “Você não gostaria que sua namorada fosse tão gostosa quanto eu?”

Aí eu fiquei pensando. Poxa, não teve pouco tempo atrás aquele rebu por conta de um mamilo? Um só. Não foram nem dois. Foi na final do Superbowl, o tal futebol americano.

Aí vejo nos sites nesta segunda-feira que, antes da final deste ano, teve um “jogo” de gostosas de calcinha e sutiã. E no intervalo rolou um show dos Rolling Stones, transmitido com censura ao vivo pela TV. Eles tocam 3 músicas em 12 minutos: Start me up, Rough Justice e Satisfaction. A transmissão da ABC teve um delay de 5 segundos para que os censores cortassem o que achassem inconveniente. Exemplos: o final do verso “you make a dead man come” (você faz um morto gozar) e a palavra “cock” (na letra, significava “galo”, mas também pode ser pênis).

Poxa, dizer galo não pode, mas cantar que quer comer a namorada de quatro pode. Mamilo não pode, mas um monte de longas pernas, barriguinhas saradas e, claro, grandes peitos balançando (afinal, são norte-americanas) pode.

Bem, tá bom, preciso confessar aqui também que, talvez por resquícios de minha formação cristã — culpa do velho Colégio Sacré-Coeur de Marie, na Rua Toneleros — e por eu ter uma filhinha — cara, pode ter certeza: essas coisas mudam completamente quando se é pai — eu tenho grandes ressalvas à nossa sociedade ocidental de bundas e bocas. Para ser bem sincero, me incomoda um pouco essas coisas de “dança da boquinha da garrafa” ou “tchan”.

Putz, caraca… Tudo bem que eu não entenda os norte-americanos. Mas nunca pensei que eu fosse careta…